Muito mais que uma pergunta.
Nenhum outro tema poderia ser tão fracturante na sociedade como a questão do aborto. Mas este referendo representa muito mais que uma simples pergunta, Este referendo serve igualmente como barómetro da capacidade da sociedade analisar e avançar com alternativas a um problema da própria sociedade. A campanha para este referendo veio revelar com grande evidência um certo cariz terceiro-mundista que pensávamos já ultrapassado.
È assustador o rol de situações que muito deve preocupar todos aqueles que lutam por uma sociedade melhor. A quantidade, forma e conteúdo de certas posições de alguns defensores do não veio revelar que para algumas pessoas vale tudo para conseguir os seus objectivos. Desde dizer que despenalizar é igual a liberalizar, do uso irresponsável de crianças como portadores de mensagens susceptíveis de ferir a sensibilidade dessas mesmas crianças, da chantagem emocional da igreja aos seus fiéis a muitas outras situações deveras preocupantes.
Muitos que hipocritamente se intitulam a favor da vida, esquecem-se de dizer que vivem principescamente ás custa de muitas mulheres a quem pagam salários baixíssimos ou ameaçam com despedimento se ficarem grávidas. Outros dizem-se a favor da vida, mas enquanto detentores de cargos públicos nada fizeram (pelo contrário) para incentivar à natalidade. Outros há também que são contra o uso de preservativos e têm participações financeiras em fábricas de armamento, mas dizem-se a favor da vida.
Muito mais que saber se ganha o sim ou não, este referendo mostrará se os portugueses são capazes de participar na resolução de um assunto tão importante e se serão capazes de resistir à intoxicação propagandísticas de que todos temos sido alvos. Importa saber se o Estado que se diz e se pretende laico, é capaz de deixar de estar refém da Igreja Católica, e ignorar os seus apelos à abstenção.
Há também quem diga que a sociedade não está preparada para uma mudança na lei que despenalize as mulheres, mas se não está agora, nunca estará. Se tivermos medo de resolver um problema, então a sociedade estará profundamente em crise. Como disse na minha ultima crónica: Ignorar ou esconder um problema é sempre mais grave que qualquer solução que se encontre para o resolver.
Despenalizar não é liberalizar, liberalizado está agora o aborto por não haver qualquer controlo oficial sobre quem, onde, em que condições e quantas vezes aborta. Despenalizar significa muito mais do que não punir, significa acabar com o tabu e enfrentar o problema de frente por pessoas qualificadas. Despenalizar significa acabar com o aborto clandestino onde as mulheres pagam o que lhe é exigido e a quem não poderão pedir responsabilidades no caso de alguma coisa correr mal (e corre muitas vezes mal).
Não votar ou votar não é o mesmo que o mesmo que pactuar com estas situações, é continuar a punir duplamente as mulheres, apesar de hipocritamente alguns defensores do não dizerem que não querem isso. Mais grave que isso é que deixará de haver legitimidade para mudar a lei durante os próximos anos.
Votar é muito mais que uma obrigação, é manifestar a capacidade de evoluir.
Publicada no Jornal Opinião Publica de 08/02/2007
1 comentário:
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