16 de abril de 2008

Maré Alta de 16/04/2008

O Estado e os privados

Tem se falado muito nos últimos tempos nas parcerias publico - privadas em várias áreas de acção do Estado. Uma maneira encontrada para entregar a entidades privadas as responsabilidades que o Estado tem obrigação de prestar às populações.
Deixo claro que sou frontalmente contra este tipo de negócios, desde logo pelo tipo de objectivos de cada uma das partes. Enquanto os privados têm como objectivo principal a obtenção de lucro, mesmo que seja a médio ou longo prazo; o Estado tem como único objectivo assegurar a prestação dos serviços constitucionalmente consagrados, nomeadamente a Saúde, o Ensino, a Justiça, a Segurança, etc. de uma forma equitativa e gratuita a todos os portugueses. Não tendo como objectivo o lucro, o Estado deve prestar serviços da melhor qualidade ao menor custo. Assim sendo os objectivos do Estado e das entidades privadas são incompatíveis. O Estado existe para responder a necessidades das pessoas, o marketing dos privados cria necessidades onde elas não existem e ignora outras necessidades quando isso condiciona a obtenção de lucro.
Quando o Estado entrega as suas responsabilidades sociais nas mãos vorazes dos privados, das duas uma: ou a qualidade dos serviços prestados diminui, ou esse serviço irá ficar mais caro aos cofres do Estado. Tivemos recentemente a prova disso com a gestão de alguns hospitais, que acabaram por ter elevados prejuízos sendo geridos por privados.
Naturalmente que não sou contra a existência de privados a prestar serviços como a saúde ou o ensino - devidamente regulamentados – como complemento da oferta à população. No entanto, não podemos aceitar que o Estado deixe degradar a qualidade dos serviços que tem obrigação de prestar, pelo simples facto de existirem privados, como tem sido feito pelos sucessivos governos nos últimos tempos.
A situação económica que hoje vivemos, com os elevados impostos que pagamos e ainda com o pagamento de taxas moderadoras para termos acesso aos serviços que deveriam ser efectivamente gratuitos, deve-se em grande parte à ruinosa gestão do Estado por políticos que preferem “vender” o Estado aos interesses privados em vez de criarem condições para que os funcionários públicos prestem o melhor serviço às populações e profissionalmente se realizem sem serem tentados a recorrerem a situações de promiscuidade lesivas dos interesses do Estado e consequentemente das populações.
O recurso a parcerias com privados para a construção e manutenção de infra-estruturas e prestação serviços do Estado é uma evidente demonstração de incompetência e incapacidade na gestão do Estado pelos governos e pelas autarquias, partindo do princípio que não existem interesses pessoais ou corporativos nesses mesmos negócios.

(Crónica publicada no Jornal Opinião Pública em 16/04/2008)

Ouvir aqui.

1 comentário:

Peliteiro disse...

Bom texto.
Curiosamente - sabidas as distâncias ideológicas - concordo com o essencial da sua tese.

Este Governo não sabe bem o que fazer com estas matérias e, portanto, deambula consoante sabe-se lá bem o quê (e depois, claro, perde o respeito dos eventuais parceiros).

Julgo que o importante é definir bem as funções do triângulo fundamental: financiador / prestador / fiscalizador. Os privados podem desempenhar melhor - julgo que desempenham, julgo que no futuro desempenharão ainda mais - que o Estado o papel de prestador de cuidados de saúde (veja-se o sector dos convencionados). As PPP têm o inconveniente de 1) estas funções terem limites mal definidos e de 2) não fomentar a concorrência mas antes criar uma espécie de "caldo-morno" ou "meias-tintas".

"O mal dos seres humanos, é que preferem ser arruinados pelos elogios, a ser salvo pelas críticas."