1 de abril de 2009

Maré Alta de 01/04/2009

Políticos ou gestores

Vi recentemente num blog sugerirem que se chamassem gestores com provas dadas nas suas empresas para gerirem os destinos das autarquias.
Esta é uma questão que merece alguma reflexão. Em primeiro lugar é preciso ter em conta que no actual sistema democrático, esses gestores devem integrar as candidaturas dos partidos ou independentes, de forma a terem a legitimidade para representar as populações. Depois, a natureza e o objectivo das instituições são muito diferentes, enquanto uma empresa tem como objectivo primeiro e único a obtenção de lucro, as autarquias devem prestar os serviços públicos a toda a população e proporcionar um desenvolvimento sustentado, gerindo de forma equilibrada os diversos recursos de que dispõe. Este aspecto é extremamente importante porque algumas boas práticas empresariais podem ser ineficazes ou até negativas para a gestão autárquica.
Outro factor a ter em conta é a diferença entre o perfil do gestor e o do autarca. É sabido que muitos gestores conseguem maximizar os lucros das suas empresas à custa de constantes pressões sobre os seus fornecedores, da utilização de mão-de-obra barata e de uma grande insensibilidade humana e social. A utilização destes métodos de gestão aplicados à causa pública teria terríveis consequências, quer para quem trabalha nas instituições públicas como para toda a população.
Por outro lado, a gestão das autarquias exige uma ampla visão de todas as componentes da sociedade em que é preciso gerir vontades e promover a iniciativa de outros organismos e instituições em que o objectivo não é a obtenção do lucro ou benefícios materiais, mas sim de valores não quantificáveis como a educação, a cultura, o desporto, a integração social, a solidariedade social, etc...
O facto de alguém ser bom gestor, bom professor, bom arquitecto, bom dentista ou bom operário, não significa necessariamente que seja bom autarca. Isto não significa que um bom gestor de uma empresa não possa ser também um bom político e um bom autarca, pelo contrário. O importante é que seja capaz de distinguir e assimilar as características e o âmbito de cada uma das funções.
Para podermos ter uma ideia dos riscos de uma visão empresarial nos serviços públicos, basta vermos o exemplo da privatização das empresas fornecedoras de energia. O Estado abdicou da sua função social e o resultado é o brutal aumento do preço dos produtos ao mesmo tempo que essas empresas obtêm fabulosos lucros que vergonhosamente enriquecem meia dúzia de capitalistas enquanto todos os portugueses são explorados diariamente.
Este tipo de gestão do Estado, em que as entidades reguladoras são incapazes de impedir os monopólios e a cartelização de preços faz com que o próprio Estado tenha obtido maior receita em impostos resultante do aumento dos preços. Isto acaba por ser o contrário daquilo que deveria ser a função do Estado, desde o Governo às Autarquias, precisamente por ser usada uma gestão empresarial e tecnocrática.

Crónica publicada no Jornal Opinião Pública em 01/04/2009

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"O mal dos seres humanos, é que preferem ser arruinados pelos elogios, a ser salvo pelas críticas."